Um dos maiores clássicos literários brasileiros – senão, o maior – está prestes a se tornar música e ação em um nova produção independente da A Casa Que Fala em parceria com a Tomate Produções, e dirigida pelo premiado Zé Henrique de Paula. Baseado no livro de 1899, “Dom Casmurro” levará para o palco a escrita do carioca Machado de Assis, sob o som de diferentes ritmos, indo do rock à MPB. A estreia de “Dom Casmurro – Musical” está prevista para ainda este ano, em São Paulo.
O projeto, pensado a partir da percepção de um “gap” no mercado de musicais brasileiros, é de Guilherme Gila, autor de obras ousadas como o “A Igreja do Diabo – um musical imoral e hilário”, também baseado em uma obra de Machado – e vencedor dos Prêmios Bibi Ferreira na categoria Melhor Musical Off e Destaque Imprensa Digital na categoria Destaque Dramaturgia Original -, e Davi Novaes, que planejaram durante três anos a adaptação da obra mais conhecida do autor para o universo do teatro musical, com músicas especialmente compostas para ele.
“Tanto eu quanto o Davi temos um apreço gigante por literatura, sobretudo a literatura do nosso país. Eu percebi que lá fora muitos dos musicais que amamos e são sucessos gigantes na Broadway, partem da adaptação da literatura americana e literatura mundial, mas no Brasil os musicais nacionais em sua maioria partem das biografias. Decidi então focar em adaptar nossos livros e autores para o teatro musical, e rapidamente apareceu Dom Casmurro”, conta Gila sobre o processo do projeto.
Como surgiu a ideia de fazer Bentinho, Capitu e Escobar cantarem?
O projeto surgiu em 2021 durante a pandemia, com uma outra produção que não seguiu com a proposta, e de lá para o cá, tudo foi reformulado para se encaixar numa perspectiva original e intimista. Gila convidou Davi Novaes para o escrever o texto do musical, e com a união das produtoras A Casa Que Fala e Tomate Produções, “Dom Casmurro” começou a sair do papel.
“Nossos encontros ocorriam toda segunda-feira à noite para compartilhar o que havia sido escrito e alinhar as ideias. Às vezes, um texto se transformava em música e uma letra de música virava texto, assim costurando o espetáculo. Com a chegada de Zé, novas ideias surgiram, proporcionando uma nova visão sobre o texto”, conta Gila.
A escolha pelo tarimbado diretor, que hoje coordena a Direção Artística do Núcleo Experimental – instituição reconhecida por trazer um olhar inovador para o teatro – veio pela admiração pelo trabalho do grupo de artistas e pelo fato de Gila já ter tido a oportunidade de trabalhar com Zé Henrique e Fernanda Maia, premiada dramaturga do Núcleo.
“A importância que o Zé (Henrique de Paula) dá para o trabalho dos atores e para a construção de uma encenação orgânica e sensível são coisas que me atraem muito. Em 2022, quando todo o texto e as músicas estavam prontas, juntei alguns amigos queridos e fizemos uma leitura fechada de “Dom Casmurro” para o Zé e a Fernanda (Maia) numa tarde. Ele ficou muito tocado pelo projeto e, a partir daí, já era nosso diretor.”
Desafios da adaptação de um clássico literário
Adaptar a escrita machadiana e sua originalidade para o palco não é uma tarefa fácil. Há um misto no desafio de manter a originalidade da obra e também apresentar um novo olhar – que justifique a transposição para o palco. No processo criativo do musical, Davi Novaes faz algumas escolhas para chegar em um lugar único e original que desejam para obra:
“Tentei me ater ao livro o máximo possível, fonte de todas as outras adaptações que, querendo ou não, figuram na minha memória. A minissérie dirigida por Luiz Fernando Carvalho, ”Capitu”, me acompanhou enquanto imaginário, pois me marcou muito, mas não escrevi nenhuma cena diretamente influenciada por ela ou por qualquer outra adaptação que tenha encontrado pelo caminho. Tentei criar a minha própria, a partir das palavras do Bruxo do Cosme Velho”, explica o ator e dramaturgo.
Os autores também se apoiam em alguns recursos literários – deixas dadas pelo próprio Machado para construir a narrativa da peça – que parte do princípio de que é Bentinho, o narrador do texto é uma fonte não confiável dos fatos – o que gera ambiguidade no seu discurso e permite que algumas escolhas artísticas sejam tomadas no palco.
“Nessa adaptação, tomei a liberdade de evidenciar algo que já vem sendo discutido há décadas sobre nosso protagonista Dom Casmurro: sua inconfiabilidade. Na nossa versão, isso é assumido: Dom Casmurro prepara os atores de sua própria história para entrarem em cena, dá falas para que Capitu saiba o que dizer na história que ele conta sobre os dois. Esse é o fio principal que guia essa nossa visão do clássico machadiano. E, por fim, Guilherme Gila faz justiça e concede à Capitu a palavra final”, antecipa Davi.
Escolhas musicais
Longe de ser uma obra “datada” ou “de época”, a proposta da abordagem de Novaes e Gila traz escolhas bastante irreverentes no que diz respeito a escolha das músicas que levarão a cabo a trama do casal mais famoso da literatura brasileira. Por exemplo, para a fase em que Bentinho se rebela contra a decisão da mãe de ser padre – fruto de uma promessa da matriarca – o rock and roll foi o ritmo escolhido para imprimir todos esses elementos de rebelião típicos da juventude.
A MPB foi outra grande fonte de inspiração para criar o cancioneiro original da espetáculo. Partindo de um viés emocional provocado pelas decisões estilísticas de Machado de Assis, Gila chegou à música brasileira para manter conectado o espetáculo com a nossa cultura. “As melodias surgiram como uma forma de engrandecer e reproduzir estas emoções que Machado de Assis evoca a cada parágrafo. Eu busquei usar referências da MPB tanto na forma de escrever as letras quanto em algumas melodias para envelopar esses estilos e manter a identidade brasileira da obra,” explica o autor do espetáculo.
Empenhados em tirar o projeto do papel, os criativos e produtores envolvidos estão desenvolvendo um financiamento coletivo, para arrecadar recursos para a montagem. Os interessados poderão fazer sua contribuição na Benfeitoria a partir do início de Agosto. Acesse para conhecer as condições e benefícios e acompanhe as mídias do espetáculo em
@musicaldomcasmurro.